Falar sobre a obesidade com os tutores: como ter uma conversa construtiva

Um em cada dois cães tem excesso de peso1, pelo que a obesidade é uma doença comum que acarreta riscos para a saúde e preocupações com o bem-estar dos animais afetados.

Discutir o peso de um animal de companhia pode, por vezes, ser um tema sensível para os tutores, que podem sentir-se julgados ou culpados.

No entanto, abordar este tema não tem de ser desconfortável.

Aqui estão algumas estratégias de comunicação - que devem ser adotadas pelos profissionais de veterinária - para conduzir eficazmente conversas regulares sobre obesidade com confiança, eficiência e empatia, transformando-as em oportunidades para melhorar a saúde do paciente.


A importância de conversar proativamente com os tutores sobre obesidade 

A obesidade é uma patologia complexa e multifatorial com vários fatores de risco, sejam eles genéticos, fisiológicos, comportamentais ou relacionados com o tutor2. Alguns destes fatores podem ser abordados de forma proativa, exigindo o envolvimento do tutor, com o apoio da equipa veterinária.

Estudos recentes sugerem que existe uma discrepância significativa entre o que os tutores consideram ser um peso saudável para o seu animal e o que os veterinários diagnosticam na prática1. De facto, 77% dos tutores pensam que o seu animal de estimação tem a condição e  peso adequados​1, e apenas 4% dos tutores estão conscientes de que o seu animal de estimação tem excesso de peso1. Esta ideia errada sobre como deve ser um peso saudável pode resultar numa falta involuntária de controlo do peso por parte dos tutores o que pode levar a consequências significativas para a saúde e a comorbilidades graves. A maioria dos tutores não percebe que a obesidade é um problema de saúde grave que reduz a qualidade de vida1, porque raramente consultam o veterinário sobre o peso: estudos recentes indicam que 50% dos tutores nunca procuraram aconselhamento veterinário nesta matéria1.

Além disso, os estudos indicam que é mais provável que os tutores se inscrevam em programas de controlo de peso quando recebem recomendações de um veterinário ou de pessoal veterinário, quando a supervisão destes programas é realizada por membros da equipa veterinária e quando compreendem que a perda de peso irá melhorar a saúde do seu animal de estimação3. Este facto realça a importância de discutir o controlo do peso na clínica veterinária: é da responsabilidade do veterinário e da equipa veterinária estabelecer parcerias com os tutores para os educar e criar um consenso sobre o que deve ser um peso saudável 1, 2. Para tal, a equipa veterinária deve discutir regularmente e de forma proactiva o assunto com os tutores de forma adequada e motivadora2.

 


Compreender a perspetiva do tutor

Como reflexão preliminar, coloque-se na posição do tutor e tente compreender a sua perspetiva. Muitos tutores têm dificuldade em perceber ou reconhecer que o seu animal de estimação tem excesso de peso: a alimentação pode ser vista como uma forma de ligação emocional, uma forma de demonstrar afeto. Nalguns casos, os tutores podem sentir-se culpados ou defensivos; o medo do julgamento pode torná-los relutantes em participar na conversa. Além disso, aceitar o facto de que o seu animal tem excesso de peso implica que a forma como cuidam do animal é potencialmente, mesmo que não intencionalmente, prejudicial para o animal.

Discutir o tema da obesidade não deve, portanto, ser um julgamento dos tutores, mas sim escutá-los de forma empatica e objetiva, expondo os factos. A obesidade é uma condição clínica legítima que precisa de ser devidamente discutida, de uma forma colaborativa e positiva, em que os tutores têm de se sentir envolvidos e capacitados para tomar medidas positivas para cuidar da saúde do seu animal. A atitude da equipa de cuidados veterinários durante esta conversa deve contribuir para criar confiança e assegurar que os tutores têm a certeza de que estão num espaço seguro para discutir a saúde do seu animal.

 


Mostrar empatia e escuta ativa para definir o tom certo

Mostre ao tutor que se preocupa com a saúde do seu animal. O tópico do peso do animal deve ser abordado com empatia, não com culpa. A empatia é fundamental, pois na maioria das vezes os tutores têm vontade de fazer o que é melhor para o seu animal. Posicione-se como um parceiro que apoia e não como um crítico.

Ao posicionar-se como um parceiro que apoia e não como um crítico, estará a ajudar a enquadrar a conversa de forma positiva e a torná-la numa questão de saúde do animal e não de estética.

Para iniciar a conversa de uma maneira acertada, certifique-se de que a torna pessoal. Por exemplo, quando cumprimentar o tutor e o animal na sala de consulta, certifique-se de que os trata pelos seus nomes.

Durante toda a consulta, pode ser utilizado um tom e uma linguagem neutros, sem juízos de valor e de apoio. Isto evita o estigma e assegura que os cuidados e conselhos veterinários continuem a ser procurados no futuro2.

A escuta ativa pode ajudar a garantir que os tutores têm a sensação de serem ouvidos. Fazer perguntas abertas ajudará a envolver o tutor na discussão, ao mesmo tempo que recolhe uma anamnese abrangente. A escuta ativa também contribui para que o tutor se sinta ouvido e valorizado e participa na construção da confiança. Certifique-se de que permite que os tutores falem e que reconhece visivelmente o que eles dizem.

Eis alguns exemplos de frases que podem ser utilizadas:

  • “O que é que acha do peso do [nome do animal]?”
  • “Fale-me da sua rotina alimentar diária”
  • “Notou alguma alteração nos níveis de energia ou mobilidade?”
  • “Estaria disposto a fazer uma pequena mudança, como medir as refeições com mais precisão?”

Além disso, não se trata apenas das palavras que utilizamos, mas também da comunicação não verbal.

  • Estabelecer contacto visual.
  • Não cruzar os braços.

Orientar a conversa de forma positiva, para realçar os benefícios de um peso saudável

A obesidade é uma condição clínica real2 e deve ser tratado como tal. A conversa baseada na ciência deve ser orientada de forma positiva, focando-se nos benefícios que podem ser alcançados e não no que está atualmente errado. O reforço positivo ajuda os tutores a sentirem-se motivados e não julgados ou criticados.

Utilizar a ciência e os factos, de modo a posicionar a gestão do peso como uma forma de “adicionar anos de felicidade” e não como um julgamento e enfatizar os benefícios de um peso saudável e de estratégias alimentares eficazes para a saúde e bem-estar futuro do animal: longevidade, mobilidade, a qualidade de vida2.

Eis alguns exemplos de frases que podem ser utilizadas:

  • “Perder apenas x% do peso corporal pode melhorar significativamente a saúde articular.”
  • “Um peso mais saudável pode ajudar a reduzir o risco de artrite e diabetes do [nome do animal].”
  • “Manter um peso saudável pode ajudar o [nome do animal] a viver uma vida mais longa e feliz.”

Evitar a utilização de frases negativas, não banalizar ou estigmatizar. Por exemplo, devem ser evitadas as seguintes afirmações:

  • " O seu cão tem excesso de peso e isso é um problema".
  •  “O [nome do animal] é um bocado gordinho” (Não banalize o problema1)
  •  "O [nome do cão] é gordo".(Não estigmatizar1)

Para além dos benefícios de um peso saudável, e dependendo do perfil de comunicação e das prioridades do tutor, podem ser destacados outros tipos de benefícios. Por exemplo, ao garantir que o seu animal é mais saudável se está no seu peso ideal, os tutores têm mais probabilidades de reduzir os custos com o seu animal a longo prazo1.


Coloque a ciência no centro do diálogo, utilizando ferramentas de avaliação objectivas

Como já foi referido, a obesidade é uma condição clínica e deve ser tratada como tal. Em vez de se basear em opiniões subjectivas, utilize ferramentas visuais e mensuráveis para tornar a conversa factual. Isto contribuirá para mudar a conversa do julgamento pessoal e dos factos subjectivos para avaliações de saúde baseadas em evidências, colocando a ciência no centro da questão.

  • Mostrar aos tutores o peso do seu animal na balança. Comparar o peso em relação aos padrões da raça ou a registos anteriores.
  • Explicar como funciona a pontuação da condição corporal (BCS) como um método prático para avaliar a condição corporal através da palpação e da avaliação visual​2.

Além disso, mostre, não diga apenas: utilize recursos visuais e demonstrações práticas, para envolver os tutores e dar-lhes as informações necessárias para compreenderem melhor como deve ser um peso saudável.  Apenas 7% dos tutores sabem como palpar as costelas e efetuar um controlo adequado do peso do seu animal de estimação​1.

  • Mostrar ao tutor como avaliar a condição corporal do seu animal. Para além disso, existem agora indicadores da condição corporal na embalagem de muitos produtos de alimentação para animais de companhia, para ajudar os tutores a avaliar facilmente o peso do seu animal.


Envolva o tutor na solução

A educação não é suficiente; os tutores têm necessidade da ajuda da equipa veterinária para traduzir as suas boas intenções em ações concretas, estabelecer hábitos saudáveis e enfrentar potenciais desafios1. De acordo com as recomendações da BVA sobre a obesidade dos animais de companhia2, a equipa veterinária deve discutir formas adequadas de gerir os fatores de risco da obesidade e deve encorajar os tutores a monitorizar o peso e a condição corporal do seu animal2.

É mais provável que os tutores se empenhem e colaborem se se sentirem ouvidos e parte do processo. Reconhecer com o tutor que a gestão do peso é uma tarefa difícil, mas é possível.

  • Tornar o tutor parte do processo, oferecendo-se para trabalhar em parceria, com metas realistas e alcançáveis: “Vamos estabelecer juntos uma pequena meta”. O objetivo é garantir que não impõe restrições, mas que concorda com o tutor num plano realista de perda de peso.
  •  Ofereça objetivos personalizados, graduais e realizáveis, em vez de metas rígidas e inatingíveis. Pequenas mudanças podem fazer uma grande diferença! Se o objetivo for demasiado drástico, o tutor pode sentir-se sobrecarregado e mais propenso a desistir.


Estabeleça uma recomendação nutricional clara

Enquanto especialistas em saúde animal, os profissionais de veterinário devem ser os interlocutores mais relevantes para definir as recomendações nutricionais a dar aos tutores. Como tal, reclamem o vosso estatuto de profissionais de saúde animal e não se coíbam de falar sobre nutrição, uma vez que esta deve fazer parte da consulta veterinária. Como foi dito anteriormente, 50% dos tutores com cães com excesso de peso não procuram orientação veterinária sobre este assunto, pelo que existe definitivamente uma oportunidade para voltar a colocar este tópico nas mãos da equipa veterinária.
 

 

As alterações nutricionais e de estilo de vida devem ser recomendadas de uma forma simples e sem juízos de valor. Uma recomendação clara e adaptada garante uma maior probabilidade de adesão por parte dos tutores​4.

  • Sugerir hábitos alimentares mais saudáveis sem fazer com que o tutor se sinta culpado.
  • Recomendar um plano de nutrição personalizado, com base no exame clínico do animal e nas potenciais comorbilidades.
  • Destacar o controlo das quantidades e as técnicas de medição dos alimentos. As orientações práticas ajudarão os tutores a avaliar a quantidade e o que devem dar de comer ao seu animal. Por isso, é aconselhável recomendar uma quantidade de alimentação diária precisa com base nas metas de peso definidas.
  • Recomendar a utilização de recompensas pouco calóricas2.
  • Incentivar o exercício físico de uma forma que se adapte ao estilo de vida do tutor.


Oferecer um acompanhamento e apoio consistentes para garantir o empenho do tutor

A gestão do peso é um processo a longo prazo, que requer um programa de controlo abrangente3 e um acompanhamento e apoio contínuos e consistentes por parte da clínica veterinária.

  • Disponibilize recursos adicionais (guias de alimentação, folhetos educativos, ligações a conteúdos educativos online).5.
  • Certifique-se de que é garantido o acompanhamento após a consulta, seja por e-mail ou por uma chamada telefónica para manter os tutores envolvidos. As enfermeiras veterinárias podem intervir para assegurar o acompanhamento.
  • Organizar pesagens regulares e controlos do progresso para manter os tutores envolvidos. Deve-se realçar que se trata de uma forma de registar os progressos e não de uma crítica.
  • Proporcionar incentivo contínuo
  • Celebrar as pequenas vitórias.​

 Discutir a obesidade com os tutores pode ser desconfortável. Com empatia, positividade e uma abordagem centrada na solução, baseada na ciência e nos fatos, a equipa veterinária pode transformar uma conversa difícil numa oportunidade de construir uma parceria de colaboração com os tutores  para melhorar a qualidade de vida dos seus animais. Mudanças pequenas e consistentes conduzem a benefícios de saúde a longo prazo - e com a orientação correta, os tutores sentir-se-ão capacitados em vez de criticados.

 

  1. 2024 UK Pet Obesity Report. UK Petfood. https://www.ukpetfood.org/spotlight-on-obesity/new-uk-pet-food-obesity-report-2024.html
  2. BVA, BVNA, BVZS and BEVA policy position on obesity in dogs, cats, horses, donkeys and rabbits. January 2020. https://www.bva.co.uk/media/3270/bva-bvna-bvzs-and-beva-policy-position-on-obesity-in-dogs-cats-horses-donkeys-and-rabbits-full.pdf
  3. Roudebush P, Schoenherr WD, Delaney SJ. An evidence-based review of the use of therapeutic foods, owner education, exercise, and drugs for the management of obese and overweight pets. J Am Vet Med Assoc. 2008;233(5):717–725. [PubMed: 18764704]
  4. Kanji N, Coe JB, Adams CL, Shaw JR. Effect of veterinarian-client-patient interactions on client adherence to dentistry and surgery recommendations in companion-animal practice. J Am Vet Med Assoc. 2012 Feb 15;240(4):427-36. doi: 10.2460/javma.240.4.427. PMID: 22309015.
  5. Weight loss planner for Dogs. UK Petfood. https://www.ukpetfood.org/spotlight-on-obesity/monitoring-your-pet-s-weight/help-your-dog-lose-weight-worksheet.html?_fr=f91919e4 . Accessed March 17th 2025.
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